quarta-feira, 23 de março de 2011

A Pedra e a Água

-Sobre a Crise-

            Estamos em crise, sim estamos. Estou eu, estás tu, está a vizinha do 1ºEsq. que perdeu o emprego e o Sr. Manel da oficina que já quase não tem clientes. Portugal também. A crise é política, financeira e até linguística - com o novo acordo ortográfico  ninguém se entende. Está a Europa e o Euro, o Norte de África com as revoluções, a Ásia assiste à recente catástrofe no Japão. O mundo está em crise, e eu também.
            Não posso mudar o mundo todo (nem sei bem o que faria se pudesse), pois o mundo são as pessoas e essas não gostam mesmo nada de mudanças. Não gostam de mudanças no emprego “que ninguém me dá valor”, nem de casa “é só caixotes - não me volto a meter noutra”, nem sequer do tempo “esta humidade dá-me cabo da artrite”. Como podemos mudar o mundo sem que as pessoas mudem? Simples: não podemos!
            Mesmo assim, somos sempre tentados a mudar os outros, afinal eles é que estão mal! “Eles é que se queixam da vida o tempo todo, só sabem olhar para o umbigo. E os políticos? São todos iguais, nem vale a pena votar. Este país está todo desgraçado... lá fora é que é bom, não admira que haja tanta emigração.”
            Pois é, mas “nós” somos os outros de alguém, assim como “eles” são os nossos outros. Difícil mesmo é admitir isto, admitir que se tivéssemos a vida do vizinho do lado, ao contrário do que queremos apregoar, não íamos ser mais felizes. Por uma razão muito simples, eu continuava a ser eu, tu continuavas a ser tu, e por mais que mudassem as circunstâncias à nossa volta, isso permaneceria imutável. A nossa pessoa, a nossa essência, não muda conforme o ambiente em que está, não muda conforme o que tem. Aliás, por norma, somos de tal forma casmurros que só mudamos algo em nós quando somos realmente obrigados a tal e mesmo assim com relutância. Isto acontece perante alguma forte adversidade da vida, um problema de saúde grave, a perda de alguém chegado ou mesmo uma crise generalizada.
            Quando tudo o que conhecemos, como conhecemos, deixa de fazer sentido. Quando o certo é tomado pelo incerto e na generalidade não fazemos a mais pequena ideia como as coisas estarão amanhã, ou no dia seguinte, somos forçados a pensar.
Ora bem, estava eu embrenhada nestes pensamentos e nas contradições que preenchem o meu dia-a-dia, a pensar porque é que numa altura em que o país precisa de se unir parece que parte tudo em debandada (os jovens qualificados emigram e vão apostar o futuro num país que não é deles, os partidos políticos em vez de se unirem em prol do bem comum, insistem em puxar cada um para o seu lado) quando percebi, de forma clara, o que se estava a passar.
            Acho que é do consenso comum que, quando acontece uma crise, é por que algo está mal, algo precisa de ser mudado, desesperadamente. A mudança necessária pode vir como uma onda suave, as pedras que se encontram à beira mar aceitam o seu movimento e deslocam-se seguindo as indicações da onda, formando um novo padrão, uma nova praia. Mas quando a resistência à mudança é grande, quando as pedras resistem em massa a sair do seu lugar, a natureza, de forma a cumprir os seus propósitos, vê-se obrigada a ser mais firme, impetuosa até. Assim estamos nós. Podemos ser a água que tudo muda e transforma, dando o nosso contributo para as mudanças necessárias, sugerindo, empurrando, evoluindo na nossa forma de ser, tentando transformar o pouco que nos é pedido e que nos rodeia. Ou podemos ser a pedra, pesada e impermeável, não permitindo qualquer alteração na nossa vida, encarando o movimento e as alterações à nossa volta com contrariedade, o chamado “ou vai ou racha” (por vezes racha).
             Mas há algo que não podemos fazer, de forma alguma. Não podemos querer ser a água comportando-nos como uma pedra. Não podemos querer mudar os outros sem nos mudarmos a nós próprios primeiro. A pedra não tem, nem nunca terá a fluidez e a ondulação da água, e estejamos certos: a pedra não desloca a água, apenas a água tem a capacidade de tirar a pedra do seu lugar de conforto.
            Tenho de fazer a pergunta: sou a pedra ou a água? Que faço eu no dia-a-dia que me classifique como um ou outro? Que posso eu fazer para ser a água? Que podemos fazer para mudar?
            Podemos tentar ver a nossa vida com outros olhos. Fazer opções diárias pela nossa felicidade, e não por aquilo que nos incutiram ser bom para nós. O nosso objectivo de vida é sermos felizes, certo? Então porque estou a tentar manter um emprego que me deixa infeliz? Devia estar a procurar outro tipo de oportunidades, fazer um plano (nem que seja a cinco anos) para alcançar aquilo que pretendo. Porque dispenso tanto tempo do meu dia a pensar em coisas que me aborrecem, me deixam triste e deprimida? Ao invés prometo que darei atenção a pelo menos 5 coisas por dia que me deixem feliz (1- hoje está sol; 2 - o sorriso dos meus filhos; 3 - o bolo de chocolate que comi (ou queria ter comido); 4 - a musica que não me sai da cabeça; 5 – as flores que comprei há 15 dias e ainda não murcharam). Porque tento agradar a pessoas de quem não gosto especialmente? Para compensar, hoje vou ligar a um amigo com quem já não falo a algum tempo. São pequenos os gestos que nos alteram o humor, a maneira de encarar a vida um dia de cada vez. Faço aqui o compromisso de traçar objectivos para cada um dos dias, tornando o “meu mundo” um pouco melhor irei, inevitavelmente e sem reparar, alterar um pouco também “o mundo” dos que me são mais próximos. Pouco a pouco faremos uma onda, uma suave onda de mudança. Pode ser que assim “a crise” nos passe um pouco mais ao lado, ou pelo menos não lhe demos a mesma importância....
            Mas sabem que mais? Aquilo que agora nos parece o fim do mundo, o próprio do Apocalipse, acontece todos os anos, ciclicamente. Todos os anos assistimos às marés vivas no final do verão, que limpam e transformam a geografia das praias, encurtando a sua extensão, tirando a areia e expondo o esqueleto das rochas, eliminando em grande parte todo aquele areal onde nos deliciámos, correndo e jogando à bola durante o verão. As ondas cavalgam para dentro de terra, atacam até as construções mais próximas fazendo estragos. Mas nem mesmo depois do inverno mais rigoroso ou das ondas mais fortes, independentemente dos avanços que o mar possa ter feito, deixou alguma vez de haver Verão!

6 comentários:

  1. Bem-vinda ao mundo dos blogues.
    Um grande beijinho!

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  2. Quero ser a água que levemente segue o seu próprio caminho e o abre suavemente.
    Parabéns pelo texto, é uma grande verdade, senão mesmo TODA A VERDADE!

    Beijinhos

    Rita

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  3. Muitos parabéns Filipa.
    Está muito bem visto. Continua, mesmo que de início tenhas poucos visitantes, o que é natural.
    M. bjis do Pai

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  4. Parabéns pelo Blog!
    Podias era divulgar ao ppl...

    Bjs

    Paulo

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  5. Adorei! É mesmo isto! estou consigo!
    Continue a escrever que tem mto jeito...
    Bjnhs
    Mada

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